Empreendedora fala sobre os benefícios dos dados abertos na área da saúde

22 out de 2017, por OKBR

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Hellen Matarazzo. Foto: Arquivo pessoal.

A revolução da saúde por meio dos dados abertos tem muitos benefícios, mas ainda pouco conhecidos pela sociedade. Para falar sobre isso, entrevistamos Hellen Matarazzo, cientista e empreendedora. Nos últimos dez anos, ela trabalhou em diferentes organizações não governamentais (Ashoka e ABRALE) e no Ministério da Saúde, sempre com análises e pesquisas focadas na melhoria das políticas públicas no país. Ela também tem sido entusiasta e ativista dos dados abertos.

Segundo Hellen, a partir de dados clínicos (dados de atendimentos médicos, internações, exames e cirurgias, por exemplo), e utilizando novas tecnologias, como a inteligência artificial, será possível – com grande agilidade – identificar grupos populacionais mais suscetíveis a determinadas doenças, melhorar a precisão dos diagnósticos, encontrar novos padrões de progressão de doenças, prever eficácia de tratamentos e desfechos de sobrevida, etc.

A empreendedora conta que, após vivenciar as dificuldades e a falta de familiaridade generalizada com os dados da saúde (dentro e fora do próprio Ministério da Saúde, entre analistas, economistas, jornalistas, etc.), percebeu que era hora de tomar uma atitude. “Em 2015, fundei a Empirica, um negócio social com o objetivo de democratizar o acesso, alfabetizar e inspirar usando dados da saúde. Também cocriei o Observatório de Oncologia, a primeira plataforma brasileira de compartilhamento de informações em oncologia usando dados abertos governamentais”, conta.

Confira a entrevista que fizemos com ela sobre os desafios dos dados abertos na área da saúde, a importância, as possibilidades que esse tema impacta a sociedade. Além disso, Hellen também compartilhou um pouco da sua experiência na área.

OKBR: Como foi sua aproximação com o tema dados abertos? Quando?
Hellen: Essa é uma boa pergunta. O mais interessante é que embora até recentemente o termo “dados abertos” não fizesse parte do meu vocabulário, o tema já é familiar há muitos anos. Na prática, uso “dados abertos” desde 2005, mas posso considerar que a primeira vez que discuti “dados abertos” de forma consciente (mesmo que ainda sem usar esse nome) foi em um projeto em que trabalhei no Ministério da Saúde entre 2013 e 2014. Era uma pesquisa nacional liderada pelo IPEA que contava com representantes de diversos órgãos, como o Ministério da Saúde, a Fiocruz, a ANS, o Ministério da Educação, e o Ministério da Defesa. Em todas as reuniões do grupo de trabalho, o IPEA reforçava a importância de cada órgão utilizar exclusivamente dados públicos e oficiais para evitar, entre outras coisas, contradição com os dados já publicados. Nessa mesma época, comecei a delinear minha dissertação no mestrado em economia e, para garantir que no futuro a pesquisa pudesse ser replicada ou aprofundada, decidi fazer todas as análises também utilizando apenas dados que estivessem disponíveis livremente a toda a população. Em 2015, finalmente conheci a Open Knowledge Brasil. Foi quando aprendi e me apropriei definitivamente do termo “dados abertos”.

OKBR: Quais são os principais desafios em relação aos dados da saúde e por qual motivo?
Hellen: Os desafios são muitos. Pela minha experiência, é possível simplificar as dificuldades em três grandes categorias: falta de conhecimento da existência dos dados, dificuldade de acesso aos dados, e dificuldade de análise dos dados. Muitas pessoas simplesmente não sabem que os dados existem, pois não os veem rotineiramente refletidos em notícias, produtos ou serviços, por exemplo. Por outro lado, há algumas pessoas (e até empresas) que sabem da existência dos dados, e uma minoria até sabe onde obtê-los, mas o labirinto de fontes de dados, sites, códigos e nomenclaturas torna o trabalho desmotivante e muitas vezes impeditivo se não houver anos de treinamento. Por fim, há um pequeno número de pessoas e empresas que têm os dados nas mãos, como pesquisadores, indústrias farmacêuticas (principalmente multinacionais) e as grandes consultorias do setor. Esse grupo tem produzido análises interessantes, embora bastante convencionais e muito aquém da capacidade real dos dados. Para piorar, a maioria dessas análises são confidenciais e não ficam disponíveis abertamente.

OKBR: Em que estágio o Brasil está nesse assunto?
Hellen: O governo brasileiro avançou bastante na abertura dos dados, tanto pela criação de legislação específica como a Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527 de 2011) e a Política de Dados Abertos (Decreto nº 8.777 de 2016), quanto por meio do Portal Brasileiro de Dados Abertos. No entanto, isso não tem se refletido no dia a dia da maioria das pessoas e o ciclo perverso continua se perpetuando, pelo menos na área da saúde. Seja porque os dados abertos de saúde são de difícil acesso seja porque são tratados de maneira confidencial, vemos poucas inovações a partir desses dados e continuamos ignorando sua existência. Eu, pessoalmente, conheço poucas iniciativas, algumas que oferecem ferramentas pagas – outras gratuitas, como a da FIOCRUZ, por exemplo, que buscam integrar bancos de dados para facilitar o acesso, mas esse movimento é ainda muito tímido.

OKBR: Qual é a importância dos dados abertos para melhorar a gestão e a qualidade do sistema de saúde?
Hellen: Cada pessoa que procura um centro de saúde ou hospital para se tratar tem suas informações demográficas e epidemiológicas registradas anonimamente em alguns bancos de dados. O mesmo acontece para cada nascimento e falecimento no país. Agora imagine se fosse possível para um gestor municipal analisar todos esses dados em tempo real para o seu município. O gestor poderia, por exemplo, identificar o surgimento de um surto de dengue entre pessoas que moram em um mesmo bairro e atuar imediatamente. Ou poderia realocar os serviços de mamografia se observar demanda reprimida em um serviço e capacidade ociosa em outro. As possibilidades são infinitas. O sistema de saúde como um todo teria muito a ganhar com mais eficiência na alocação dos recursos financeiros, de equipamentos e dos profissionais. Os pacientes também teriam serviços melhores já que seriam disponibilizados de acordo com a demanda e a necessidade de atenção de cada localidade.

OKBR: O poder público está consciente de toda essa importância? O que falta?
Hellen: Eu não posso falar pelo setor público como um todo. Não tenho essa autonomia, mas durante os cinco anos que trabalhei no Ministério da Saúde, convivi com alguns gestores muito conscientes e empenhados em usar os dados como um dos elementos essenciais para a formulação das políticas públicas. Na época, na maioria das vezes que as boas propostas não iam para frente, era por causa da falta de articulação e cooperação entre as Secretarias ou mesmo pela instabilidade política, já que eram comuns as trocas repentinas de Secretários, Diretores e Coordenadores.

OKBR: Como seria a revolução da saúde por meio dos dados? O que é preciso para que isso aconteça?
Hellen: A revolução pela qual a área da saúde está passando está se refletindo não apenas em transformações nos serviços, mas também na forma como entendemos e interagimos com a saúde, a doença, o bem-estar e a longevidade. Em ambos os casos, os dados têm papel central. A partir de dados clínicos (dados de atendimentos médicos, internações, exames e cirurgias, por exemplo), e utilizando novas tecnologias, como a inteligência artificial, será possível – com grande agilidade – identificar grupos populacionais mais suscetíveis a determinadas doenças, melhorar a precisão dos diagnósticos, encontrar novos padrões de progressão de doenças, prever eficácia de tratamentos e desfechos de sobrevida, etc. Frente a isso, as campanhas de saúde pública poderão ser mais focalizadas, os tratamentos mais personalizados, haverá redução de custos e aumento de produtividade, para citar apenas alguns ganhos. O paciente também sairá ganhando. Será melhor informado e terá um papel duplo, irá tomar decisões compartilhadas com a equipe de saúde e também se responsabilizará pela sua própria saúde e seu tratamento. Vejo uma mudança radical de paradigma, iremos evoluir de uma medicina focada na doença para uma medicina focada na manutenção da saúde e no autocuidado. Aqui no Brasil, tudo começará pela democratização do acesso aos dados de saúde.

OKBR: Qual é a sua inspiração para a revolução da saúde?
Hellen: A revolução na saúde é uma realidade, já está acontecendo, especialmente nos países desenvolvidos. As principais iniciativas são de grandes empresas de tecnologia, como IBM e Microsoft, mas há muitas outras que perceberam o potencial do mercado e também tem se movimentado, como Google, Amazon e Apple, além de algumas startups.

OKBR: Como foi a criação da Empírica? De que forma ela funciona hoje e quais são suas vitórias? Pode destacar algumas?
Hellen: A Empírica nasceu enquanto eu fazia o curso de Negócios Sociais na ESPM, em 2015. Durante o curso pude aprofundar com os colegas, professores e outros empreendedores a discussão sobre, por um lado, o problema que me incomodava da falta de uso de dados na área da saúde, e por outro, sobre como eu, com minha experiência e conhecimento na área, poderia mudar esse cenário. A Empírica foi então idealizada como um negócio social com o objetivo de democratizar o acesso, alfabetizar e inspirar inovações usando dados de saúde e, até agora, tem feito diversos com projetos e pesquisas, sempre utilizando dados abertos. Um exemplo foi a cocriação do Observatório de Oncologia, a primeira plataforma brasileira de compartilhamento de informações em oncologia usando dados abertos governamentais. O Observatório é uma iniciativa do Movimento Todos Juntos contra o Câncer, liderado pela Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (ABRALE). A Empírica participou tanto do delineamento da ideia, quanto da construção da plataforma e dos primeiros estudos publicados. Outro exemplo, ainda no forno, é um projeto social focado no paciente que acabou de ser selecionado pela Singularity University para participar de um programa mentoria com duração de um ano.

OKBR: Quantos estudos o Observatório de Oncologia tem atualmente e como é a mobilização para que ele possa funcionar?
Hellen: Acredito que atualmente o Observatório já tenha por volta de 40 ou 50 estudos publicados, todos usando dados abertos da área de oncologia.