O movimento de dados abertos tem uma arquitetura de participação?

14 set de 2015, por OKBR

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Acabo de sair de duas conferências, a ConDatos e a AbreLatam, organizadas pelo governo do Chile e a sociedade civil organizada. O objetivo de ambos os eventos é o debate sobre dados abertos, assisti a algumas palestras e principalmente conversei com muitos participantes.

Nos últimos eventos que tenho presenciado, busco novos movimentos que estão surgindo destas comunidades, tentando compreender se existe alguma arquitetura de participação.

Em um universo paralelo, observando comunidades de software livre e diversos pensadores que comentaram sobre o crescimento do ecossistema, podemos destacar que o movimento de software livre é baseado em diversos outros. O objetivo é claro para todos eles: quando o software desenvolvido tiver uma licença de liberdade aos direitos autorais das produções intelectuais, ele é livre. Uma regra simples.

Além disto, o modo de trabalhar que os novos movimentos se desenvolveram é o que Tim O’Reilly descreve como arquitetura da participação, assim como Larry Lessig provoca que precisamos prestar atenção para arquitetura de sistemas baseado no que Mitch Kapor diz sobre a arquitetura ser política. Isto significa que é preciso criar uma estratégia de como a colaboração, comunicação e participação irão acontecer.

Nos dias de hoje, podemos observar como o software livre é a base de inovação e tecnologia no mundo. Glyn Moody destaca alguns números impressionantes, tais como 485 dos 500 supercomputadores são executados por Linux. Na computação em nuvem, 75% utilizam Linux como sistema operacional primário. Servidores web são dominados por softwares livres há mais de 20 anos. E por aí vai.

Com relação ao desenvolvimento de software com foco em dados abertos, podemos citar comunidades estruturadas como da Open Knowledge com a ferramenta CKAN, que é um catálogo de dados com o objetivo de disponibilizar datasets de maneira organizada. Há um número considerável de portais no mundo se utilizando dele e já há uma comunidade organizada ao redor desta ferramenta. Já é possível notar um grande número de extensões desenvolvidas por terceiros, e aí entramos numa reflexão que Linus Torvalds faz sobre a arquitetura ser mais importante que o código-fonte. Estou citando isto pois é comum desenvolvedores dizerem que podemos ter um código melhor para o CKAN, mas a pergunta é: podemos ter uma arquitetura de participação melhor? O CKAN é ótimo neste aspecto e está cumprindo seu objetivo.

Meu ponto agora é explorar um pouco por que não estamos trabalhando para fomentar mais o movimento de tecnologia ao redor de dados abertos. E principalmente, por que não temos uma arquitetura realmente construída para as que pessoas participem.

A World Wide Web é um sistema de participação descentralizado, na qual todos podem estar presentes de maneira simples através dos seus protocolos, através de uma arquitetura de participação “espada”. Faça algo nos padrões estipulados, e você está nela. Simples assim.

Eric Raymond defende a ideia da promessa plausível para que um projeto tenha sucesso no desenvolvimento colaborativo e para isto ele destaca a necessidade de um líder qualificado que tenha capacidade de coordenar pessoas e a ideia que está nos códigos liberados, sendo que os projetos não precisam ser brilhantes, mas sim serem lançados de maneira clara para comunidade com uma proposta plausível, pois ela poderá ficar brilhante com este posicionamento com o tempo.

A arquitetura do software é a política de participação e envolvimento dos usuários e desenvolvedores em ambientes livres.

O problema do ovo e da galinha parece atingir muito o ecossistema atual de dados abertos. De um lado, comunidades e desenvolvedores buscam dados abertos que estejam disponíveis para fazer algo, enquanto do outro, governos alegam que os dados existentes ainda não são muito utilizados pelo público. Algo está faltando aí.

A questão econômica é extremamente complexa e muito discutida nos últimos eventos, mas é interessante de visualizar como ocorre hoje com a economia baseada em software livre. Atualmente, um software livre que tem uma boa estratégia de participação desenvolvida é uma vantagem competitiva no mercado.

Vivemos em uma época que inovação é engajamento.

Veja o exemplo do Docker, um software livre que automatiza e facilita o processo de implementação através de containers. Aberto em 2013 para o público, em pouco mais de alguns meses criou um ecossistema de comunidades, colaboradores e com empresas especializadas na prestação de serviço e consultoria. Indo um pouco mais fundo, podemos perceber que toda a tecnologia já existia antes do Docker e já estava disponível para todos, mas ainda não existia uma maneira simples de fazer com que as pessoas participassem.

O que o Docker fez foi criar uma interface que facilitou a participação de usuários. Qualquer um poderia criar um container e disponibilizar para os outros. Rapidamente todos começaram a utilizar e consequentemente os provedores de infraestrutura tiveram que começar a utilizar.

Docker é fantástico, a arquitetura de participação é um dos fatores de sucesso.

Retornando ao evento: muitas pessoas comentaram comigo uma frase dita em algum painel, que afirmava que as leis da transparência convivem perfeitamente com a corrupção. Infelizmente não sei quem é o autor, mas a frase ilustra muito bem a falta de um ecossistema. Abrir os dados não vai resolver o problema de transparência. Abrir os dados não gera participação. Será que estamos querendo o que não podemos? Como liderar um projeto e realizar promessas tão abrangentes? As promessas devem ser mais pontuais.

A promessa plausível é fundamental para dizer o que se quer, e a arquitetura de colaboração é o que vai permitir a participação e o desenvolvimento colaborativo.

Muitos dizem que não é necessário promover software livre com dados abertos, pois isto não é um fim. Mas acredito que é um desperdício não aproveitar um ecossistema tão forte e com suporte tão abrangente, desde desenvolvedores, infraestrutura, empresas e principalmente uma arquitetura de colaboração!

Quais movimentos ou projetos de dados abertos teremos daqui alguns anos? Devemos investir tecnologias estratégicas nessa reflexão, que possam ajudar na construção da participação.

*Texto originalmente publicado no Medium.